quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O crescimento demográfico da população jovem brasileira e suas implicações sociais e econômicas
Gedson Thiago do Nascimento Borges[i]
As características populacionais de um país são variáveis extremamente relevantes para construção das políticas públicas de uma nação, pois, o aspecto demográfico norteia a relação básica entre o gerenciamento dos recursos públicos com o nível de habitantes que dada região possui. Lançando o olhar para o Brasil observa-se que o crescimento demográfico teve um salto considerável, de 17 milhões ,em 1900, o número de habitantes passou para 170 milhões, em 2000. Esse mesmo país que em apenas cem anos multiplicou por dez a sua população apresenta também, como característica populacional recente, o maior nível demográfico de jovens da história do país.
Segundo estimativas da Secretária de Assuntos Estratégicos de presidência da República (SAE), ainda nas quatro primeiras décadas do século XXI o comportamento de crescimento da população brasileira viria a ultrapar os 200 milhões e chegaria aos 220 milhões de habitantes. No entanto, a característica desse ritmo de crescimento se dá pelo número de mulheres com idade fértil (de 15 a 49 anos), o qual mantém o nível de natalidade maior que o nível de mortalidade, mesmo com uma taxa de fecundidade (número médio de filhos que teria uma mulher ao final de seu período reprodutivo), abaixo do nível de reposição.
Em meio a esse boom populacional, a parcela jovem, faixa etária, definida de acordo com a Emenda Constitucional nº 65 de 2010, que vai dos 15 anos aos 29 anos e seus subgrupos: jovens - adolescentes (15 a 17 anos); jovens – jovens (18 a 24 anos) e jovens – adultos (25 a 29 anos), representam uma parcela considerável da população brasileira.
A mensuração gráfica do número de jovens brasileiros não se dá pela formação de um triângulo com um pico identificando o número máximo de jovens, mais por um trapézio, o qual aglutina a faixa etária de jovem em determinado período. A contagem de jovens no Brasil leva em consideração o coorte de natalidade da população que completa 15 anos até os 29 anos, com a diferença do coorte que completa 30 anos acrescido da quantidade de jovens mortos no período.
Ainda sobre as definições do tamanho da juventude brasileira, temos as definições da SAE:
“quando a contabilidade completados fluxos é levada em consideração, o crescimento no tamanho da juventude (V) é igual à diferença entre a entrada de novos jovens (A), formada pela coorte que acaba de completar 15 anos, e a saída de pessoas da juventude, que ocorre ou por transição à fase adulta - aqueles que completam 30 anos - (B) ou por morte (C). Logo, V = A-(B+C)=(A-B)-C. Hoje, aqueles que entraram na juventude15 anos antes (E) ou já saíram devido à mortalidade(D), ou saem nesse ano ao transitarem à vida adulta (B). Portanto, o tamanho da coorte de entrada há 15 anos é dado por: E = B+D. Assim, em cada ano, a diferença entre o tamanho da coorte que entra na juventude (A) e a que entrou 15 anos antes (E), nossa aproximação (V*) para o aumento no tamanho da juventude, é dada por: V*= A-E = A-(B+D) = (A-B)-D”

A juventude, portanto, é composta por 15 coortes. Em 2013, o tamanho de cada uma dessas 15 coortes de jovens variava entre 3,2 e 3,6 milhões, segundo a SAE, o que resulta em uma média pouco inferior a 3,4 milhões de pessoas por coorte. Daí o total de 51 milhões de jovens existentes hoje, o que representa pouco mais de ¼ (ou 26%) dos quase 200 milhões de habitantes do país.
Em termos absolutos este período expressa um momento em que a faixa etária jovem é a mais numerosa de toda história do Brasil. Porém, vale observar que em termos relativos, a população jovem brasileira em relação ao todo alcançou seu ápice em 1983 quando correspondia a 29% da população brasileira.
O tamanho da população de um país, sem dúvida, acentua o debate sobre desenvolvimento, o qual analisa até que ponto fazer parte de um grupo matematicamente superior a outros é algo vantajoso. Em particular, analisar esse momento histórico em que a população jovem do Brasil está numericamente maior do que em outros períodos, nos leva a considerar quais as vantagens ou desvantagens que esse momento acarreta para população jovem brasileira.
Para uma análise mais próxima das vantagens e desvantagens do tamanho da população jovem brasileira, há de se levar em conta, como parâmetros, as disponibilidades de fatores, tais como, qualidade de vida, disponibilidade tecnológica, qualificação e formação educacional da população adulta, para posteriormente se avaliar quais as implicações que dadas esses condicionantes podem ou não gerar melhorias sociais e particulares para a população jovem brasileira.
Em se tratando de população e de desenvolvimento, a resposta para questão do numero elevado da população jovem desse país não se define em um caso maniqueísta, porém, o mais sensato é dizer que depende de termos ganhos crescentes ou decrescentes com o tamanho. Quando os ganhos são crescentes, a contribuição de um aumento na população será superior à contribuição média da população pré-existente. Nesse caso, um aumento na população irá elevar a contribuição média. Quando os retornos são decrescentes, a contribuição de um aumento na população será inferior à contribuição média da população pré-existente, levando a uma queda na contribuição média.
Por tanto, ser uma população jovem quantitativamente mais numerosa que outras faixas etárias, não é em primeiro momento, uma vantagem direta, porém, se as disponibilidade dos fatores de desenvolvimento cooperarem para tal, então, as vantagens de ser uma população jovem numerosa aflorará.
  Hipoteticamente, se no Brasil houvesse baixíssimas disponibilidades de fatores que viessem a desenvolver a população jovem, tais como, recursos naturais, tecnológicos e oferta de emprego, em uma situação de numerosa população jovem acarretariam em uma desvantagem, pois, dadas essas condições e com uma população jovem numerosa, haveria um diminuição das oportunidades e aumento da concorrência. Destacando que tal situação, em sentido oposto tenderia a gerar vantagens.
Em uma analise que se aproxime mais da realidade brasileira no tocante as vantagens e desvantagens que o tamanho da população jovem brasileira se encontra, destaca se, neste momento histórico, que em alguns setores da economia o tamanho da população jovem trará vantagens, porém, em outros setores o quantitativo dessa população estará em desvantagens dado a baixa disponibilidade de recursos.
Outro aspecto que a atual juventude brasileira, stricto sensu, os coortes 1984 a 1998 está vivenciando é apresentado na grande massa de força de trabalho que essa geração hora de jovem vai se tornar na maior força de trabalho que o Brasil já possuiu. Por tanto, o país está passando por uma janela de oportunidade, que se houver investimentos coordenados, principalmente na formação de capital humano, para qualificar essa grande massa de força de trabalho jovem há de se colher nas próximas décadas uma força de trabalho adulta bem preparada, capaz de contribuir com mais efetividade para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.  



[i] Graduando em Ciências Econômicas, Bolsista PIBIC

sábado, 24 de agosto de 2013

V COLÓQUIO MARX E OS MARXISMOS

V COLÓQUIO MARX E OS MARXISMOS

De 21 a 25 de Outubro de 2013
FFLCH-USP


            Encontrar um novo mundo por meio da crítica do velho mundo e levar a cabo a crítica impiedosa e implacável de tudo o que existe sem temer as consequências dessa crítica eram, em 1843, de acordo Marx, as tarefas do presente. Desde então, o marxismo buscou fornecer, pela crítica, armas contra a ofensiva capitalista em todo o mundo. Com a crise econômica de 2008 eclodida nos Estados Unidos e seus desdobramentos na Europa e fora dela, com os impasses da esquerda na América Latina, a primavera árabe e os movimentos por ela inspirados e com a onda de manifestações que varreu as ruas das principais capitais brasileiras neste ano, continua a ser tarefa do marxismo analisar e responder, prática e teoricamente, as contradições do capitalismo contemporâneo.

            Devido à permanência dessa tarefa e de sua crescente necessidade que o LeMarx-USP abre a chamada para a inscrição de comunicações para o V Colóquio Marx e os Marxismos, a ser realizado entre os dias 21 e 25 de Outubro, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

                Realizado desde 2007, o colóquio procura reunir pesquisadores – de graduação e pós-graduação – de diferentes áreas e que tenham o marxismo na base de suas pesquisas, sejam elas teóricas ou empíricas. 

            Além das comunicações, ao final de cada dia ocorrerão mesas com professores convidados (relação que será divulgada em breve).

    Neste ano, os eixos em torno dos quais o colóquio estará organizado serão:

1. A obra teórica de Marx e Engels
2. As Internacionais Comunistas
3. Política e Teoria do Estado
4. Direito, Democracia e Partidos
5. Arte, Estética e Cultura
6. Psicanálise e Teoria Social
7. Educação no capitalismo e perspectivas de emancipação
8. Economia política contemporânea
9. Movimentos sociais
10. Crises do capitalismo e neoliberalismo
11. Resistências globais ao capital e lutas de classes
12. Marxismo na América Latina
13. Caminhos para o socialismo hoje
14. Imperialismo e Neoimperialismo
15. Filosofia crítica
16. Trabalho ontem e hoje


As normas para a inscrição nas mesas de comunicação estão disponíveis no blog do LeMarx: http://lemarxusp.wordpress.com.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

CAPITALISMO SUB JUDICE: Uma discussão das crises recentes a partir da leitura de Harvey e Brenner.

[1] Pedro Henrique

Ao longo da história da humanidade, é de certo modo regular a observação de uma classe de acontecimentos de grande vulto, capazes de causar grandes impactos na ordem social, econômica e política preestabelecida, bem como de alterar o curso natural das muitas vivências no seio das mais variadas sociedades.
Tais eventos podem ser desencadeados pelos mais variados fatores, todavia é lugar comum considerar que a partir de meados do século XVI, com a ascensão de um novo sistema de produção e de organização da vida social, a saber, o capitalismo, eles assumem um caráter explosivo cada vez mais impactante, ainda mais pelo fato de que tal sistema simplesmente subjuga de maneira implacável todas as dimensões inerentes à comunidade global, interligando tais dimensões de maneira terrivelmente assustadoras quando por algum motivo as suas estruturas normais de funcionamento são abaladas.
Neste exato momento estamos presenciando uma conjuntura de crise econômica global representativa da convergência de uma gama de fatores subjacentes ao processo de extraordinária acumulação de capital observada principalmente ao longo dos séculos XIX e XX, aonde um pequeno grupo de nações assumiram o leme do direcionamento político e econômico global, através de mecanismos de dominação imperialista historicamente constituídos.
Obviamente que os Estados Unidos são o centro de gravidade desse processo de expansão irrefreável do capitalismo, e atingiram esse status, dentre outros motivos, a partir do enorme poderio militar, político e econômico que adquiriram, principalmente com os resultados das duas Grandes Guerras do século XX.
Mas é necessário salientar que o atual momento de crise, é resultado não somente das ações desencadeadas pelas estratégias imperialistas de um único país, mas sim do conjunto do jogo representativo da correlação de forças da configuração geopolítica mundial, e a história mostra que nesse cenário, alguns atores emergem como protagonistas na condução dos fatos (EUA, Japão, Alemanha, China, etc), enquanto que outros lutam para firmar as bases de sua representatividade no jogo global, embora enormemente dificultados pela falta dos recursos políticos e econômicos acumulados pelo primeiro conjunto de países citados anteriormente, e aqui poderíamos citar tanto as nações ditas emergentes (Brasil, Índia, Rússia) quanto as zonas periféricas extremamente carentes, como a maioria das nações da África, bem como boa parcela das latino-americanas e asiáticas.
Pois bem, isto posto, podemos nos debruçar sobre os motivos elencados por David Harvey (em “o Enigma do Capital”, cap. 01) e Robert Brenner (“A caminho do abismo: a crise na economia dos EUA”, artigo publicado em junho de 2002) no que tange à deflagração de uma crise sem precedentes nas profundas estruturas do sistema capitalista, suficiente para alterar substancialmente a dinâmica das relações de poder no panorama da ordem geopolítica mundial e abalar seriamente as condições de vida da comunidade planetária.
Antes de mais nada, é preciso sublinhar que ambos os autores desenvolvem sua argumentação a partir de uma discussão detalhada sobre os mecanismos de desregulamentação financeira que se fizeram mostrar de maneira notável ao longo das últimas décadas, constituindo-se num novo paradigma da acumulação, aonde os processos de financeirização, sobrevalorização de ativos, securitização de dívidas, enfim, uma gama de arranjos institucionais circunscritos à acumulação de capital fictício, acabaram por suplantar os meios comuns de crescimento via incrementos produtivos na chamada economia real.
Mas a crise deflagrada em 2007, fruto do estouro da chamada bolha imobiliária norte-americana (e também britânica, em menor proporção) é resultado, segundo Brenner e Harvey, de um processo historicamente constituído de uma sucessão de fatos que se correlacionam no sentido do estabelecimento de posições hegemônicas por parte tanto de nações, quanto de eminentes figuras do alto escalão do mundo corporativo empresarial global.
Tais considerações remontam aos anos dourados do capitalismo (1945 até fins da década de 60), capitaneados pelas políticas do chamado estado de bem estar social keynesiano, passando pela ruptura da estabilidade do período com a crise deflagrada em 1973 com a arrancada inflacionária dos preços da principal matriz energética mundial (não obstante o fato de que alguns anos antes do embargo do petróleo já haviam indícios de uma possível estagnação da prosperidade capitalista).
É justamente nesse momento que começam a tomar contornos mais nítidos o desenho de forças mundial que irá criar as condições necessárias a fomentar um gradual processo de crise.
O que se tem na década de 70, a partir da crise do petróleo, é um excesso de capacidade produtiva em desuso, pelo fato de que as grandes potencias, dada a intensa concorrência internacional (em função da entrada de produtores com baixo custo do Japão e Europa Ocidental) assumiram a posição de financiar e refinanciar as mesmas linhas de produção já em movimento, em vez de canalizar os recursos para linhas alternativas, o que acabou por causar insuficiência de demanda efetiva, e consequentemente uma alarmante tendência à queda da taxa de lucro.
Para solucionar o problema, nações como os Estados Unidos e a Inglaterra, adotaram políticas neoliberais, sob a tutela de chefes de Estado irredutíveis em suas convicções conservadoras, como Ronald Reagan e Margaret Tatcher, para frear a queda da taxa de lucro. Na década de 80, isso se materializou em medidas de austeridade e, principalmente de elevação do desemprego, com a desculpa de combate a inflação, para tão somente pressionar a oferta de trabalhadores pra cima, reduzindo automaticamente os salários.
Outra medida de impacto foram alguns acordos ditos bilaterais no campo econômico, mas que na prática minavam o poder comercial de algumas nações em proveito de outras, como o Plaza Accord de 1985, reduzindo substanciamente o valor do dólar norte-americano face ao yen japonês e ao marco alemão, deteriorando enormemente os termos das trocas comerciais desses países em favor da América, ainda mais pelo fato de que aliado a isso estava uma política de constante arrocho salarial, o que beneficiava ainda mais o setor manufatureiro dos Estados Unidos.
Todavia tal expediente precisou ser revertido no início da década de 90, uma vez que o dramático processo de estagnação e recessão das economias japonesa e alemã, acabaram por representar uma séria ameaça à estabilidade da economia mundial, e a percepção norte-americana desse fato, ainda mais porque o Japão era seu principal credor, fez com que o Governo dos EUA acordasse com as duas nações a subida do dólar.
Esse fato, para Brenner:
“(...) Constituiu um ponto de viragem na evolução da economia mundial. Inverteu as tendências econômicas da década precedente e , de forma decisiva, preparou o caminho para os principais desenvolvimentos do quinquênio seguinte: declínio da rentabilidade americana, subida histórica no preço dos títulos, boom da economia provocado pela atividade bolsista – e o crash e a recessão que se seguiram.” (BRENNER, 2002, p. 05)
Ocorreu que com a valorização do dólar via inundação fiduciária do mercado norte-americano pelos títulos asiáticos, os investidores do mercado financeiro viram aí uma excelente oportunidade de ação, haja visto que para assegurar a estabilidade na esteira da crise financeira mexicana, a Reserva Federal baixara os juros de curto prazo.
Vale aqui ressaltar que esse processo de valorização do dólar veio pôr termo à guinada de recuperação do setor manufatureiro norte-americano, acarretando consequente declínio de sua rentabilidade, reduzindo desta forma o potencial de absorção das exportações mundiais pelos Estados Unidos, tidos como “mercado de último recurso”.
A partir da elevação das expectativas do setor financeiro norte-americano, via elevação do crédito em grandes proporções, ocorrerá ao longo da década de 90 uma sucessão de fatos emblemáticos da nova tendência a ser assimilada pelo capitalismo, a saber, a de contínua financeirização. Esta nova tendência tinha o importante apoio das autoridades monetárias, como o presidente do Fed à época, Alan Greespan, que incentivava o constante endividamento das empresas norte-americanas via emissão de títulos que se valorizavam rapidamente, por considerar que tal medida era de importância primordial no processo de recuperação do crescimento. E neste aspecto, é de notável importância destacar o que houve com a alavancagem inicial e vertiginosa queda posterior das chamadas firmas ponto.com. Nesse contexto, tais firmas eram vistas como potenciais geradoras de enormes fortunas (e de fato o foram, embora baseadas em capital fictício!) pelo contínuo aumento do desenvolvimento da chamada tecnologia da informação e sua consequente demanda.
Ocorre que tais firmas eram nada mais nada menos que retratos sofisticados do que de fato ocorria por trás da aura exuberante de liquidez que se desenhava na economia norte-americana: empresas com rentabilidade real quase nula, mascaradas por uma sobrevalorização artificial de seus papéis, baseadas na confiança irracional por parte dos agentes envolvidos em sua operacionalidade.
Por intermédio de mecanismos fraudulentos de contabilidade, tais firmas proporcionavam remunerações absurdamente elevadas a seus correspondentes operadores no mercado financeiro, bem como aos bancos e intermediários que auxiliavam neste processo ilusório de alavancagem.

“Crises associadas a problemas nos mercados imobiliários tendem a ser mais duradouras do que as crises curtas e agudas que, às vezes, abalamos mercados de ações e os bancos diretamente. 

Quando, no início da década de 2000 a confiança no valor desses papéis enfim se deteriorou, a bolha estourou, gerando enormes perdas no conjunto das firmas que se relacionavam de forma interdependente, circunscritas no entorno das ponto.com.
É preciso ter em mente esse pano de fundo histórico para compreender a crise de dívida recente que assola os mercados norte-americanos e europeus, pois com o final do estouro da bolha das firmas ponto.com, paulatinamente foi se materializando os mecanismos de geração de uma nova bolha, a saber, a do setor imobiliário, e este processo acabou por assumir contornos ainda mais dramáticos que o anterior.
Nesse aspecto, David Harvey escalerece que:
“Crises associadas a problemas nos mercados imobiliários tendem a ser mais duradouras do que as crises curtas e agudas que, às vezes, abalamos mercados de ações e os bancos diretamente. Isso porque, como veremos, os investimentos no espaço construído são em geral baseados em créditos de alto risco e de retorno demorado: quando o excesso de investimento é enfim revelado (como aconteceu recentemente em Dubai), o caos financeiro que leva muitos anos a ser produzido leva muitos anos para se desfazer.” (HARVEY, p. 14)
Harvey também faz um interessante paralelo histórico entre a recente crise deflagrada pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana com outros momentos correlatos como:
1.        Crise originada no setor imobiliário norte-americano na primavera de 1973, que acabou por decretar a falência técnica de Nova York.
2.        Boom japonês da década de 80 que acabou num colapso do mercado de ações e preço da terra.
3.        Crise do sistema bancário sueco, o qual acabou tendo de ser nacionalizado em 1992, também provocada por excesso nos mercados imobiliários nórdicos.
4.        Colapso no Leste e Sudeste asiático de 1997 a 1998 em função de um desenvolvimento urbano excessivo, ocasionado em função de um influxo de capital especulativo estrangeiro.
A questão da crise atual é que ela é de maior alcance do que todas essas outras. Deflagrada em 2007, ela se configura como um assombroso processo de expansão das dívidas das famílias, sendo tais dívidas materializadas em títulos hipotecários que eram repassados aos bancos em troca de empréstimos, tendo como lastro o valor do próprio imóvel. Obviamente que esse processo se alastrava em cadeia, com os bancos e demais instituições securitizadoras em posse de papéis tóxicos dando continuidade num irrefreável movimento de arrefecimento da oferta de crédito e consequente recessão. Na verdade não queremos aqui fazer um detalhamento minucioso da dinâmica da crise, e sim salientar, com o auxílio da obra dos dois pensadores já citados, que ela constitui um ponto crítico na configuração do sistema capitalista de produção, na medida em que coloca sub judice os parâmetros definidores da lógica neoliberal, ideologia de sustentação de tal sistema implantada a contragosto mundial desde meados da década de 70.

“Na primavera de 2009, o Fundo Monetário Internacional estimava que mais de 50 trilhões de dólares em valores de ativos (quase o mesmo valor da produção total de um ano de bens e serviços no mundo) haviam sido destruídos"

Fato é que, a sociedade se vê obrigada a socializar as perdas dos grandes bancos e das grandes corporações diretamente responsáveis pelo frenesi especulativo que ocasionou o crescimento e posterior estouro da bolha imobiliária. Milhões de pessoas se veem despejadas de suas casas, endividadas, desempregadas. Países com grande dependência do comércio mundial veem suas possibilidades de ganho drasticamente reduzidas em função da flagrante redução da liquidez internacional. Firmas do setor produtivo têm de conviver com uma asfixiante redução dos canais de crédito, vitais a seus projetos de investimento e expansão. E ainda assim, os Governos se colocam a serviço daquelas megacorporações, oferecendo pacotes de salvação a firmas grandes demais para falir.
Os números da tragédia chegam a cifras realmente assombrosas. Harvey pontua por exemplo, que:
“Na primavera de 2009, o Fundo Monetário Internacional estimava que mais de 50 trilhões de dólares em valores de ativos (quase o mesmo valor da produção total de um ano de bens e serviços no mundo) haviam sido destruídos. A Federal Reserve estimou em 11 trilhões de dólares a perda de valores de ativos das famílias dos EUA apenas em 2008. Naquele período, o Banco Mundial previa o primeiro ano de crescimento negativo da economia mundial desde 1945.” (HARVEY, p. 13)
Obviamente que uma crise dessa magnitude repercute no mundo todo, dado o caráter extremamente globalizado da presente conjuntura internacional.
Até mesmo países como a China, tida como o grande motor do crescimento econômico mundial da primeira metade da década inicial dos anos 2000, sentiu o efeito da baixa procura mundial pelos seus produtos e experimentou certa tensão social disso decorrente. Se falarmos dos países na extrema periferia do mundo, ou ainda daqueles significativamente dependentes dos canais de endividamento relacionados à crise (tais como Grécia, Espanha e Irlanda) o quadro é ainda mais perturbador.
Portanto o que está em jogo é a legitimidade de estruturas de poder estabelecidas ao longo das últimas décadas, que acabaram por apresentar falhas fundamentais em seus mecanismos de auto reforçamento, e que por isso levaram as consequências de atitudes gananciosas a serem partilhadas por milhões de pessoas na maioria das vezes totalmente alheias à magnitude da importância histórica dos acontecimentos.
Mas para aquele estrato esclarecido da sociedade, afigura-se de vital importância o assomar de forças no sentido de mobilização em prol de apresentação de novas alternativas políticas de condução dos povos aos novos rumos a serem tomados, rumos que possibilitem a contemplação da dimensão humana e ambiental em primeiro lugar.

1-Bolsista de Iniciação Científica e discente do Curso de Graduação em Economia da Universidade Federal do Pará.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Palestra: Prof. Dr. Emir Sader. "A ordem capitalista e a dimensão do Brasil nesse contexto"

Emir Simão Sader é Sociólogo e Cientista Político brasileiro. Pensador de orientação Marxista, Sader colabora com publicações nacionais e estrangeiras e é membro do conselho editorial do periódico inglêsNew Left Review. Presidiu a Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS, 1997-1999) e é um dos organizadores do Fórum Social Mundial.


Atualmente é professor doutor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas e Secretário Executivo do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A integração Regional Amazônica conduzida pela dinâmica da acumulação capitalista

1-Por Gedson Thiago

A construção da integração regional amazônica caracteriza-se historicamente pela atuação muito presente da acumulação capitalista. Ao fazer um retrospecto da economia brasileira, em particular a economia amazônica, observa-se que ela foi construída para servi a lógica de uma reprodução ampliada de capital.
A integração de região amazônica foi “sustentada pela conformação de um modelo extrativista, das drogas do sertão, o que produziu um verdadeiro genocídio indígena” (MARQUES, 2012), no período da colonização portuguesa. Tal situação foi um prelúdio para os séculos seguintes e também se consolida no momento atual, dado que a economia da região amazônica se mantém como primaria-exportadora.

Ao fazer um retrospecto da economia brasileira, em particular a economia amazônica, observa-se que ela foi construída para servi a lógica de uma reprodução ampliada de capital

A economia da borracha na Amazônia no fim do século XIX inicio do século seguinte, não se comportou de forma diferente, pois, a borracha produzida na região via o sistema de aviamento, condicionou mais uma vez a economia local em primaria-exportadora, com baixa agregação de valor e apropriação bruta da natureza sem grande incorporação tecnológica. Ocorreu que a economia extrativa da borracha amazônica enfrentou uma concorrência devastadora dos seringais asiáticos (os quais começaram a existir com as sementes das seringas saqueadas da Amazônia), levando-a a uma profunda crise seguida de sua decadência.
A economia da borracha amazônica voltava a tomar um fôlego no período da segunda guerra mundial, pois, os seringais da Ásia estavam todos arrasados pela guerra, sem condições de produzir sua matéria-prima, o látex. Nenhuma mudança no que tange a estrutura econômica ocorreu a não ser a condução da mão-de-obra nordestina pelo governo federal para a Amazônia, que veio a formar os soldados da borracha, e estes produzindo num regime primário-exportador.
Nesse período, pós segunda guerra mundial, a divisão internacional do trabalho (DIT) agiu no sentido de consolidar na região amazônica a dinâmica de uma economia agrário-exportadora, tal configuração fortaleceu o sentido que as nações periféricas passaram a desempenhar na ótica da dos países desenvolvidos, uma simples produtora de matérias-primas.
A integração da região Amazônica foi também fortemente marcada pela extração mineral. Em 1945 foi descoberta na serra do navio, no Amapá, grandes reservas de manganês “explorada pela mineradora Icomi, que na pratica representava os interesses da multinacional norte-americana Bethlehem Steel” (MARQUES, 2009). A extração mineral feita por essa empresa esgotou as reservas de manganês de alto teor em apena 13 anos, de 1957 quando houve a primeira exportação até 1970. O que levaria 50 anos para esgotar terminou bem antes pela exploração sem responsabilidade social deixando um enorme passivo social na região.
A trajetória da exploração mineral na Amazônia segue com as descobertas de reservas minerais de manganês na serra do Sereno em 1966 em Marabá-PA pela Codin subsidiaria da Union Carbide, das reservas de ferro em Carajás-PA em 1967 pela United States Steel, e das Reservas de bauxita (matéria-prima do alumínio) foram encontradas em Oriximiná-PA em 1969, exploradas pela Companhia Vale do Rio Doce. Posteriormente o programa grande Carajás, parte integrante do programa polamazônia (1974), concentrou grandes investimentos na região amazônica o que delineou a ocupação de região por meio desses grandes projetos minerais, o qual o governo federal criou as condições estruturantes para o capital privado se instalar na região amazônica colocando-a como área estratégica para economia dos países imperialistas.
Por tanto, a integração regional da Amazônia foi conduzida pela atuação direta da acumulação capitalista, pois, desde a exploração e envio do exclusivo metropolitano pelos portugueses, passando pela economia da borracha e seguido pela dinâmica dos grandes projetos minerais, mostrou se que a acumulação de capital (o processo de acumulação da massa de capital após cada ciclo deste, mantidos constantes os elementos que os constitui, meios de produção e força de trabalho – forma valor do capital) por parte do empresariado nacional e internacional foi “servido de bandeja” pelo governo brasileiro com seus financiamentos a fundo perdido e seus incentivos fiscais.
Outro aspecto relevante a observar na integração regional da Amazônia em todos esses períodos é a dinâmica econômica nela desenvolvida (primário-exportadora) que sempre se realizava na esfera da comercialização (D – M –D’) o que inibia investimento privado deixando para o estado a responsabilidade de criar a infra-instrutora  de forma que a economia da Amazônia não se desenvolveu de forma a gerar uma distribuição de renda equitativa.
1-Bolsista de Iniciação Científica e discente do Curso de Graduação em Economia da Universidade Federal do Pará.

MARQUES, Gilberto de Souza. Amazônia uma moderna colônia energético mineral, 2012

segunda-feira, 10 de junho de 2013

CARTA DE BELO HORIZONTE - XVIII CONGRESSO DA SEP

A Sociedade de Economia Política (SEP) existe já há 19 (dezenove) anos, sendo que alcança sua maturidade realizando seu XVIII Congresso Nacional. Vale reforçar que a SEP surge enquanto organização que agrega o debate da heterodoxia econômica brasileira, especialmente o campo do pensamento marxista está ali representado, porém outras linhas, como os pós-keynesianos e shumpterianos têm importante espaço de participação. 

Divulgamos abaixo a Carta de Belo Horizonte, observando que a atual crise capitalista estimula o reforço do pensamento crítico e da construção de uma estratégia de longo prazo que proponha uma alternativa social ao capitalismo.

    Conferir o restante da Carta de BH

    

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Desenvolvimento Capitalista: dominação e crise social

Discente de ciências econômicas Arthur da Costa

Parece estranho falar de desenvolvimento capitalista dado o estado de alienação que ele produz, mas devemos analisar que a forma da sociedade capitalista é dialética, onde um fenômeno ocorre de forma contraditória, afirmando, muitas vezes, sua própria negação. Analisar também que os fenômenos se inter-relacionam e que a sua construção acontece em uma cadeia causal, mas se torna imperativo retornar a elementos antecedentes para construir a uma lógica, uma cadeia causal sistêmica, não obstante, se identifica partes desse sistema que separadamente não o representa, ou seja, a parte soma das partes não representam o todo, mas o todo representa as partes. Marx inicia seu estudo com noções abstratas, o que para ele o levaria a conceitos simples e abstrações cada vez mais tênues, obtendo, assim, as mais simples determinações  e assim alcançaria uma representação cada vez mais completa e rica na totalidade. Desta maneira, o sistema é representado pelo conjunto dessas partes sendo uma forma concreta. No livro Ler Marx os autores nos apresentam a análise do abstrato ao concreto no método científico de Marx:
[...] o concreto é concreto por que é a síntese de determinações múltiplas, assim, unidade da diversidade. [... ] como resultado e não como um ponto de partida”.
Seguindo esse pensamento temos a reprodução do concreto, nada mais é que o total dos processos que ocorrem em seu interior e que se prolongam até tornar o sistema preponderante. Desta forma a exposição teórica marxista demonstra ser a melhor análise tanto da sociedade em que Marx viveu e estudou, mas também nos proporciona um arcabouço teórico para analisar a sociedade contemporânea. Em seu estudo este cientista social dissecou a sociedade capitalista para demonstrar sua verdadeira dinâmica, explicar suas formas mascaradas pela necessidade de ser encoberta, para que só assim continue dominante através da alienação dos envolvidos neste sistema.
            Para o capital é forçoso uma constante evolução, para que se possa através do seu desenvolvimento tornar-se dominante. Esse progresso acontece tanto das formas que ele abarca quanto essas formas dialeticamente o transformam, assim, o capitalismo tem o aspecto histórico de transformação no próprio sistema (concorrencial, industrial, financeiro, etc.), e consequentemente a transfiguração de suas formas estruturais. Marx partiu da hipótese que na sociedade capitalista, ao transformar algo (esfera da sociedade capitalista), e se transformar em algo (esfera econômica), o capital domina o homem e este, com a evolução das formas de produção, domina a natureza. Através dessa análise, pode-se observar que a influência do capital se inicia pelas formas físicas, que se interligam com ambiente social não apenas tornando-lhe reflexo (pois se o fizesse não haveria evolução, continuaria em estado constante, podendo até ser crescente, mas com caráter constante), mas ele se transmuta através de uma retroalimentação, ou seja, da relação de troca entre os fenômenos envolvidos.
             Esta metamorfose encontra bases tanto internas do capital, quantos externas a ele, pois ele dispõe de condições estruturais para tal, mas que necessita da contraparte das formas externas para se legitimar e alcançar a sua reprodução (Estado, questões geopolíticas, culturais etc.), esta aceitação (legitimação) demonstra o grau elevado de dominação a que o capital alcança e a mais danosa para sociedade. A superestrutura referida por Marx manifesta o predomínio que o pensar dominante alcança na sociedade, que passa a ter como verdade incontestável  sobre forma de repressão (leis) e alienação. Usando um termo da escola francesa de regulação ¹, tem que se haver uma contratualidade, para que as partes individuais tornem-se um todo controlável e funcional, tornando o sistema mais coeso por um tempo, evitando as instabilidades imanentes de um sistema com tamanha desproporcionalidade de tais partes. Neste sentido nos tornamos produto do meio (a partir do momento em que somos influenciados ideologicamente pela necessidade do convívio social), e também meio do produto (pois autenticamos e reproduzimos esse pensar).
            Desta forma o capital se reproduz, ou melhor, se desenvolve, mas não tem a ação de desenvolver (ação deferida a algo ou alguém). Ele é capaz de desenvolver a esfera econômica, mas ao se espraiar para as outras esferas (políticas, social, cultural etc...) ele apenas as sucateia, se utiliza, mas não as desenvolve (no sentido de cercar), não as liberta, pois essas esferas tem que ser um prolongamento das peculiaridades da  esfera econômica, das condicionalidades materiais, não obstante o capitalismo representa “progresso e o desenvolvimento gradual do material sobre o humano e sobretudo, o desenvolvimento da sua moralidade ²”.  


¹Esta escola de pensamento firmou sua teoria com preceitos de que a sociedade capitalista se constituía  através da criação de um aparato regulatório que, uma vez aceito pelos agentes econômicos, tende a agir de forma a combater as instabilidades inerentes desse sistema em constante desequilíbrio.

  ²’Fazendo uma referencia ao pensamento do economista francês Turgot  "O progresso é o desenvolvimento gradual do poderio humano sobre a matéria; é, sobretudo, o desenvolvimento da sua moralidade."

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Desenvolvimento Nacional e Divisão Internacional do Trabalho


Gedson Thiago Borges[1]


Desenvolvimento, enquanto qualidade de vida superior e desfrute da riqueza nacional por sua população é sem dúvida o alvo desejado por qualquer nação. Observando a construção histórica das economias latino-americanas fica claro, que os modelos tradicionais de desenvolvimento “para fora” e “para dentro”, tiveram expressiva influência, visto pela importância do setor externo da economia, analisado pelo desempenho de duas variáveis chaves para se entender as características desses modelos: a exportação e a importação.
A exportação como variável exógena responsável pela geração considerável de parcela da renda nacional e pelo crescimento do mesmo e as importações como fonte flexível de suprimento dos vários tipos de bens e serviços necessários ao atendimento de parte apreciável da demanda interna. Para entender com mais profundidade o modelo de desenvolvimento da America Latina, primário-exportador, faz-se necessário uma comparação entre o modelo de desenvolvimento dos grandes centros econômicos com as economias periféricas.
No caso das economias centrais, o papel das exportações representou um componente importante na formação da renda nacional, porém, não é atribuída a ela a inteira responsabilidade pelo crescimento econômico. O que ocorre no modelo de desenvolvimento dos grandes centros é que somado a essa variável exógena (exportação) existe uma variável endógena, o investimento autônomo associado com as inovações tecnológicas, que proporcionaram a esses grandes centros econômicos um melhor aproveitamento das oportunidades do mercado externo.
Comparando com a America Latina, o setor exportador representava a única forma de dinamizar a economia bem como responsável por promover o crescimento econômico e evitar possíveis estrangulamentos do balanço de pagamentos. De outro modo, sob o ponto de vista marxista, a baixa dinamicidade do departamento de produção de bens de capital (DI) e a forte concentração de renda que caracteriza quase todo o subcontinente  latino-americano levou a forte influência daquele padrão durante as duas décadas pós-2° Guerra.
Vale observar ainda que a pauta de exportação latino-americana era extremamente limitada (e em diversas medidas ainda continua sendo), impossibilitando assim uma diversificação da capacidade produtiva, e assim como o setor exportador ser um enclave de propriedade estrangeira.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Contudo, o desenvolvimento do setor externo das economias periféricas latino-americanas gerou intenso processo de urbanização e possibilitou a instalação de indústrias de bens de consumo tais como de tecidos, calçados, vestuários e móveis que representavam baixo nível de produtividade. Portanto, o interessante a observar está no fato de que a reduzida atividade industrial aliada a agricultura de subsistência não poderiam criar um dinamismo econômico interno o que indica que o crescimento econômico latino-americano estava vinculado ao crescimento econômico do setor externo aquecido pela demanda externa dos produtos primários.
O papel das importações desempenhado nos grandes centros econômicos é diferente daquele observado no modelo de desenvolvimento “para fora”. As importações para os grandes centros econômicos tinham características de suprir matérias-primas em que os recursos naturais não podiam dar satisfatoriamente. Diferente das economias primário-exportadora que além de resolver o mesmo problema tinham que importar bens de consumo terminados e bens de capital induzido pelo crescimento exógeno da renda caracterizando um novo aspecto das importações para as economias da America Latina. O centro da problemática do crescimento “para fora” está na divisão internacional do trabalho (DIT) imposto pela própria lógica de desenvolvimento do capitalismo internacional que estabelece uma relação geoeconômica entre economias centrais e economias periféricas.
Observa-se que nas economias centrais, não há uma separação da capacidade produtiva de atender os mercados internos e externos, pois, o que é produzido internamente é destinado para consumir tanto na exportação quanto atende as demandas internas suficientemente. Assim, a produção dos países desenvolvidos se dá por diferenciação de produtos e não por setores produtivos distintos.
Ao contrário do que ocorre nos países da América Latina em que há uma nítida separação do setor destinado a produção externa e aquele direcionado a produção interna. O setor externo é de alta rentabilidade econômica embora com poucos produtos comercializados. Já o setor interno era de baixa produtividade e basicamente de subsistência e incorporava a parcela da população com poder aquisitivo.
Por outro lado, a alta concentração de propriedades dos recursos naturais e do capital, sobre tudo do setor mais produtivo, o exportador, dava lugar a uma distribuição de renda extremamente desigual. Exposto dessa forma compreende-se que, a maior parte da população auferia níveis de renda muito baixo que as excluía dos mercados monetários e as classes de altas rendas tinham padrões de consumo similares aos dos grandes centros que por sua vez eram atendidas pelas importações. Assim com o esquema da divisão internacional do trabalho e a distribuição desigual da renda, residia a disparidade entre a estrutura da produção e a demanda interna, cujo o ajuste se dava pelo mecanismo do comércio exterior.
 As questões apontadas acima por Maria da Conceição Tavares[2], que retratam a situação da economia brasileira, na qual sempre se apresentou com forte dependência dos centros dinâmicos da economia mundial continua a se apresentar como tal. O comércio internacional brasileiro, atualmente tem se comportado de forma a aprofundar as relações de dependência das grandes economias dado que a sua característica primária exportadora tem se acentuado firmemente nas ultimas décadas.
A desindustrialização da economia brasileira, ou de outro, a transformação da economia do país baseada na produção de bens primários, tem elevado o coeficiente de bens básico por industrializados no período de (1995 a 2010) o que implica dizer que  tal fato tem acentuado as características da divisão internacional do trabalho que determinam uma situação em que o Brasil se encontra como simples produtor de bens primários para economias centrais.



[1] Bolsista de Iniciação Científica e discente do Curso de Graduação em Economia da Universidade Federal do Pará.
[2] TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição das importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1972.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Capitalismo e o Novo Imperialismo: Elementos de análise a partir de Harvey e Hobsbawm


Por José Trindade (Professor da UFPa)


A indicação dos fatores que definem as sociedades capitalistas modernas desde o século XVIII podem ser focadas em três componentes: i) a acumulação de riqueza sob a forma de valor-capital, seguindo um princípio de “motor-perpétuo”, na forma de reprodução ampliada da riqueza social; ii) porém regrado pelas crises sistêmicas e periódicas e iii) pelas ações coercitivas, controladoras e ativistas do Estado capitalista. 

A acumulação de capital se processa por duas vias historicamente convergentes: a concentração e a centralização da riqueza socialmente produzida. O capital constitui uma relação social básica, cuja forma de expressão se dá pelo controle da classe capitalista sobre os meios de produção e apropriação da riqueza gerada pelos trabalhadores no processo produtivo. A riqueza gerada é concentrada e controlada pelos capitalistas, o que possibilita crescente disponibilidade de valor-capital em suas mãos.

Na medida em que se processa a concentração de riqueza via acumulação, a crescente disponibilidade de capital sob controle de um determinado grupo capitalista possibilita um efeito a trator e centralizador sobre outras massas de riqueza produzidas setorialmente ou intra- setorialmente, seja na mesma base econômico-espacial, seja em outros territórios ou mercados capitalistas dispersos ou sob controle de outros núcleos empresariais capitalistas, porém de menor potencial ou capacidade de atração ou concorrência capitalista.

Convém fazer breve parêntese: no capitalismo, a principal relação social é a de produção e apropriação da mais-valia (lucro) fundada em relações contratuais entre o capitalista (comprador da mercadoria força de trabalho) e o trabalhador (vendedor da mercadoria força de trabalho). Entre eles trava-se uma troca de equivalentes no processo de circulação de mercadorias: a força de trabalho, mercadoria que é a única propriedade do trabalhador, é comprada pelo capitalista, que oferece em troca a forma monetária salário, o preço da mercadoria força de trabalho. Essa aparente igualdade na forma do trato jurídico torna a relação salarial condição central tanto da reprodução econômica do sistema, quanto da sua configuração política.

Do mesmo modo como a acumulação de riqueza na forma de capital requer o movimento continuo de emprego de força de trabalho e uso de meios de produção (máquinas e ferramentas) para o processamento de novas mercadorias com vistas a obtenção de lucro, o capitalismo requer um Estado regulador e coercitivo sobre as relações sociais. O Estado cumpre a função central de controle e legitimação da ordem capitalista, principalmente ao encobrir as relações de apropriação da mais-valia e justificando positivamente a propriedade privada dos meios de produção, sob a forma de aparente universalidade e igualdade dos direitos de propriedade.
O Estado cumpre a função central de controle e legitimação da ordem capitalista, principalmente ao encobrir as relações de apropriação da mais-valia e justificando positivamente a propriedade privada dos meios de produção, sob a forma de aparente universalidade e igualdade dos direitos de propriedade.
As crises econômicas são sistêmicas e não eventos ocasionais como propalam alguns. Podemos ponderar que o principal aspecto acionador das crises é a chamada superprodução de capital, ou seja, a crescente capitalização da produção que gera contraditoriamente uma massa crescente de mercadorias que não encontram o porto seguro da venda (realização). Esse processo gera a interrupção do ciclo de crescimento com o decorrente declínio da taxa de lucro e estabelecimento de uma série de pontos de estagnação e declínio no mercado.

A retomada da análise do desenvolvimento do capitalismo e, especialmente, de suas contradições, crises e ações do Estado constituem a base da análise de dois livros de grande importância para o entendimento dos acontecimentos econômicos e políticos recentes ao nível internacional e brasileiro. Os trabalhos de David Harvey e Eric Hobsbawm, por mais que ambos publicados na década passada (2004 e 2007, respectivamente) constituem textos problematizadores e, até certo ponto, elucidativos do nosso atual complexo presente-futuro.

Harvey, em seu “O Novo Imperialismo”, assinala que certas características da sociedade estadunidense (EUA), tal como o “inflexível individualismo competitivo”, soma-se aos padrões de domínio econômico, político e militar dessa potência imperial, para impor o atual perigoso jogo de domínio internacional.

Harvey, que é professor da City University of New York, bebe em Marx para compreender como a acumulação capitalista produz as modernas formas de domínio imperialista, denotando as diferenças entre o imperialismo britânico (1814/1914) e o que ele denomina de Novo Imperialismo Norte-Americano. O desiderato desse novo imperialismo para ser entendido necessita da compreensão de como interagem a acumulação interminável de propriedade e a acumulação interminável de poder político. Essa interação foi inicialmente identificada por Hanna Arendt e foi complementada pelas análises de Arrighi em torno da história comparada das diferentes hegemonias globais.

O capital monetário, a capacidade produtiva e a força militar são os pilares em que se apóia a hegemonia no capitalismo. Vale reforçar que a consolidação do poder político burguês no âmbito dos Estados europeus foi uma precondição necessária a uma reorientação territorial segundo os requisitos da lógica capitalista. Harvey observa que a partir do final do século XIX, os EUA passam gradualmente a mascarar o caráter explicito das conquistas e ocupações territoriais sob a capa de uma universalização não espacial de seus valores, discurso que culminaria na atual retórica da globalização. Neste ponto temos uma importante convergência entre Harvey e Hobsbawm.

Para o historiador inglês Eric Hobsbawm, também se tem a universalização de certos padrões econômicos e culturais enquanto cerne de construção da hegemonia internacional estadunidense. Hobsbawm, porém, enfatiza que o mundo por ser demasiado grande, complexo e plural  inviabiliza qualquer possibilidade de que os Estados Unidos, ou qualquer outra potência singular possam estabelecer um controle duradouro, mesmo que o desejassem sobre a economia mundial. O questionamento então caminha para a inevitável indagação de como se consolidará a hegemonia estadunidense ou se a atual crise já demarca o campo do devir do imperialismo norte-americano.

Os recentes episódios internacionais econômicos e políticos parecem reforçar a percepção de Hobsbawm. A ausência de autoridades globais não consegue ser substituída pela presença de uma única superpotência, com o agravante, como mostra o recente episódio da crise cambial internacional, que a adoção de medidas de autoproteção por parte desta superpotência enfraquece os elos de convergência hegemônica e o aparecimento de crescentes vozes destoantes entre subpotências regionais.

O autor de “Globalização, Democracia e Terrorismo”, denota que quatro movimentos estariam por detrás das tentativas de reviver “um império mundial” (o primeiro teria sido o Britânico): i) o acelerado processo de globalização desde a década de 1960, contudo com conseqüências deletérias de elevação ou agravamento das desigualdades econômicas e sociais entre e intra-nações, além da incapacidade, até aqui, de efetivação de uma globalização da política; ii) o colapso do equilíbrio internacional de forças oriundos da Segunda Guerra Mundial, especialmente o desmantelamento da antiga URSS e o desaparecimento de forças divergentes necessárias ao equilíbrio do sistema de forças; iii) a crise do Estados nacionais soberanos e/ou a fragilização desses agentes frente outros agentes de acumulação, tais como as mega transnacionais; iv) o regresso de catástrofes humanas maciças e a presença de medo generalizado, seja na forma mais simples de violência causada por disputas banais, por exemplo, a violência juvenil, até formas como a expulsão de populações  e o genocídio.

As análises em foco concluem com o impasse quanto aos desdobramentos da economia e sociedade estadunidense, do mesmo modo quanto as incertezas que assopram sobre o desenvolvimento internacional, considerando o agravamento da crise europeia e a própria incerteza quanto aos limites da mesma. Da nossa parte nos parece que as condições brasileiras de se impor soberanamente e colaborar com uma saída propositiva, que substitua o medo e o permanente conservadorismo pela busca  de um projeto político, econômico e social diferente, devem ser nossas metas a serem propostas e buscadas, inclusive com a necessária radicalização democrática.