sexta-feira, 24 de maio de 2013

Desenvolvimento Nacional e Divisão Internacional do Trabalho


Gedson Thiago Borges[1]


Desenvolvimento, enquanto qualidade de vida superior e desfrute da riqueza nacional por sua população é sem dúvida o alvo desejado por qualquer nação. Observando a construção histórica das economias latino-americanas fica claro, que os modelos tradicionais de desenvolvimento “para fora” e “para dentro”, tiveram expressiva influência, visto pela importância do setor externo da economia, analisado pelo desempenho de duas variáveis chaves para se entender as características desses modelos: a exportação e a importação.
A exportação como variável exógena responsável pela geração considerável de parcela da renda nacional e pelo crescimento do mesmo e as importações como fonte flexível de suprimento dos vários tipos de bens e serviços necessários ao atendimento de parte apreciável da demanda interna. Para entender com mais profundidade o modelo de desenvolvimento da America Latina, primário-exportador, faz-se necessário uma comparação entre o modelo de desenvolvimento dos grandes centros econômicos com as economias periféricas.
No caso das economias centrais, o papel das exportações representou um componente importante na formação da renda nacional, porém, não é atribuída a ela a inteira responsabilidade pelo crescimento econômico. O que ocorre no modelo de desenvolvimento dos grandes centros é que somado a essa variável exógena (exportação) existe uma variável endógena, o investimento autônomo associado com as inovações tecnológicas, que proporcionaram a esses grandes centros econômicos um melhor aproveitamento das oportunidades do mercado externo.
Comparando com a America Latina, o setor exportador representava a única forma de dinamizar a economia bem como responsável por promover o crescimento econômico e evitar possíveis estrangulamentos do balanço de pagamentos. De outro modo, sob o ponto de vista marxista, a baixa dinamicidade do departamento de produção de bens de capital (DI) e a forte concentração de renda que caracteriza quase todo o subcontinente  latino-americano levou a forte influência daquele padrão durante as duas décadas pós-2° Guerra.
Vale observar ainda que a pauta de exportação latino-americana era extremamente limitada (e em diversas medidas ainda continua sendo), impossibilitando assim uma diversificação da capacidade produtiva, e assim como o setor exportador ser um enclave de propriedade estrangeira.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Contudo, o desenvolvimento do setor externo das economias periféricas latino-americanas gerou intenso processo de urbanização e possibilitou a instalação de indústrias de bens de consumo tais como de tecidos, calçados, vestuários e móveis que representavam baixo nível de produtividade. Portanto, o interessante a observar está no fato de que a reduzida atividade industrial aliada a agricultura de subsistência não poderiam criar um dinamismo econômico interno o que indica que o crescimento econômico latino-americano estava vinculado ao crescimento econômico do setor externo aquecido pela demanda externa dos produtos primários.
O papel das importações desempenhado nos grandes centros econômicos é diferente daquele observado no modelo de desenvolvimento “para fora”. As importações para os grandes centros econômicos tinham características de suprir matérias-primas em que os recursos naturais não podiam dar satisfatoriamente. Diferente das economias primário-exportadora que além de resolver o mesmo problema tinham que importar bens de consumo terminados e bens de capital induzido pelo crescimento exógeno da renda caracterizando um novo aspecto das importações para as economias da America Latina. O centro da problemática do crescimento “para fora” está na divisão internacional do trabalho (DIT) imposto pela própria lógica de desenvolvimento do capitalismo internacional que estabelece uma relação geoeconômica entre economias centrais e economias periféricas.
Observa-se que nas economias centrais, não há uma separação da capacidade produtiva de atender os mercados internos e externos, pois, o que é produzido internamente é destinado para consumir tanto na exportação quanto atende as demandas internas suficientemente. Assim, a produção dos países desenvolvidos se dá por diferenciação de produtos e não por setores produtivos distintos.
Ao contrário do que ocorre nos países da América Latina em que há uma nítida separação do setor destinado a produção externa e aquele direcionado a produção interna. O setor externo é de alta rentabilidade econômica embora com poucos produtos comercializados. Já o setor interno era de baixa produtividade e basicamente de subsistência e incorporava a parcela da população com poder aquisitivo.
Por outro lado, a alta concentração de propriedades dos recursos naturais e do capital, sobre tudo do setor mais produtivo, o exportador, dava lugar a uma distribuição de renda extremamente desigual. Exposto dessa forma compreende-se que, a maior parte da população auferia níveis de renda muito baixo que as excluía dos mercados monetários e as classes de altas rendas tinham padrões de consumo similares aos dos grandes centros que por sua vez eram atendidas pelas importações. Assim com o esquema da divisão internacional do trabalho e a distribuição desigual da renda, residia a disparidade entre a estrutura da produção e a demanda interna, cujo o ajuste se dava pelo mecanismo do comércio exterior.
 As questões apontadas acima por Maria da Conceição Tavares[2], que retratam a situação da economia brasileira, na qual sempre se apresentou com forte dependência dos centros dinâmicos da economia mundial continua a se apresentar como tal. O comércio internacional brasileiro, atualmente tem se comportado de forma a aprofundar as relações de dependência das grandes economias dado que a sua característica primária exportadora tem se acentuado firmemente nas ultimas décadas.
A desindustrialização da economia brasileira, ou de outro, a transformação da economia do país baseada na produção de bens primários, tem elevado o coeficiente de bens básico por industrializados no período de (1995 a 2010) o que implica dizer que  tal fato tem acentuado as características da divisão internacional do trabalho que determinam uma situação em que o Brasil se encontra como simples produtor de bens primários para economias centrais.



[1] Bolsista de Iniciação Científica e discente do Curso de Graduação em Economia da Universidade Federal do Pará.
[2] TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição das importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1972.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Capitalismo e o Novo Imperialismo: Elementos de análise a partir de Harvey e Hobsbawm


Por José Trindade (Professor da UFPa)


A indicação dos fatores que definem as sociedades capitalistas modernas desde o século XVIII podem ser focadas em três componentes: i) a acumulação de riqueza sob a forma de valor-capital, seguindo um princípio de “motor-perpétuo”, na forma de reprodução ampliada da riqueza social; ii) porém regrado pelas crises sistêmicas e periódicas e iii) pelas ações coercitivas, controladoras e ativistas do Estado capitalista. 

A acumulação de capital se processa por duas vias historicamente convergentes: a concentração e a centralização da riqueza socialmente produzida. O capital constitui uma relação social básica, cuja forma de expressão se dá pelo controle da classe capitalista sobre os meios de produção e apropriação da riqueza gerada pelos trabalhadores no processo produtivo. A riqueza gerada é concentrada e controlada pelos capitalistas, o que possibilita crescente disponibilidade de valor-capital em suas mãos.

Na medida em que se processa a concentração de riqueza via acumulação, a crescente disponibilidade de capital sob controle de um determinado grupo capitalista possibilita um efeito a trator e centralizador sobre outras massas de riqueza produzidas setorialmente ou intra- setorialmente, seja na mesma base econômico-espacial, seja em outros territórios ou mercados capitalistas dispersos ou sob controle de outros núcleos empresariais capitalistas, porém de menor potencial ou capacidade de atração ou concorrência capitalista.

Convém fazer breve parêntese: no capitalismo, a principal relação social é a de produção e apropriação da mais-valia (lucro) fundada em relações contratuais entre o capitalista (comprador da mercadoria força de trabalho) e o trabalhador (vendedor da mercadoria força de trabalho). Entre eles trava-se uma troca de equivalentes no processo de circulação de mercadorias: a força de trabalho, mercadoria que é a única propriedade do trabalhador, é comprada pelo capitalista, que oferece em troca a forma monetária salário, o preço da mercadoria força de trabalho. Essa aparente igualdade na forma do trato jurídico torna a relação salarial condição central tanto da reprodução econômica do sistema, quanto da sua configuração política.

Do mesmo modo como a acumulação de riqueza na forma de capital requer o movimento continuo de emprego de força de trabalho e uso de meios de produção (máquinas e ferramentas) para o processamento de novas mercadorias com vistas a obtenção de lucro, o capitalismo requer um Estado regulador e coercitivo sobre as relações sociais. O Estado cumpre a função central de controle e legitimação da ordem capitalista, principalmente ao encobrir as relações de apropriação da mais-valia e justificando positivamente a propriedade privada dos meios de produção, sob a forma de aparente universalidade e igualdade dos direitos de propriedade.
O Estado cumpre a função central de controle e legitimação da ordem capitalista, principalmente ao encobrir as relações de apropriação da mais-valia e justificando positivamente a propriedade privada dos meios de produção, sob a forma de aparente universalidade e igualdade dos direitos de propriedade.
As crises econômicas são sistêmicas e não eventos ocasionais como propalam alguns. Podemos ponderar que o principal aspecto acionador das crises é a chamada superprodução de capital, ou seja, a crescente capitalização da produção que gera contraditoriamente uma massa crescente de mercadorias que não encontram o porto seguro da venda (realização). Esse processo gera a interrupção do ciclo de crescimento com o decorrente declínio da taxa de lucro e estabelecimento de uma série de pontos de estagnação e declínio no mercado.

A retomada da análise do desenvolvimento do capitalismo e, especialmente, de suas contradições, crises e ações do Estado constituem a base da análise de dois livros de grande importância para o entendimento dos acontecimentos econômicos e políticos recentes ao nível internacional e brasileiro. Os trabalhos de David Harvey e Eric Hobsbawm, por mais que ambos publicados na década passada (2004 e 2007, respectivamente) constituem textos problematizadores e, até certo ponto, elucidativos do nosso atual complexo presente-futuro.

Harvey, em seu “O Novo Imperialismo”, assinala que certas características da sociedade estadunidense (EUA), tal como o “inflexível individualismo competitivo”, soma-se aos padrões de domínio econômico, político e militar dessa potência imperial, para impor o atual perigoso jogo de domínio internacional.

Harvey, que é professor da City University of New York, bebe em Marx para compreender como a acumulação capitalista produz as modernas formas de domínio imperialista, denotando as diferenças entre o imperialismo britânico (1814/1914) e o que ele denomina de Novo Imperialismo Norte-Americano. O desiderato desse novo imperialismo para ser entendido necessita da compreensão de como interagem a acumulação interminável de propriedade e a acumulação interminável de poder político. Essa interação foi inicialmente identificada por Hanna Arendt e foi complementada pelas análises de Arrighi em torno da história comparada das diferentes hegemonias globais.

O capital monetário, a capacidade produtiva e a força militar são os pilares em que se apóia a hegemonia no capitalismo. Vale reforçar que a consolidação do poder político burguês no âmbito dos Estados europeus foi uma precondição necessária a uma reorientação territorial segundo os requisitos da lógica capitalista. Harvey observa que a partir do final do século XIX, os EUA passam gradualmente a mascarar o caráter explicito das conquistas e ocupações territoriais sob a capa de uma universalização não espacial de seus valores, discurso que culminaria na atual retórica da globalização. Neste ponto temos uma importante convergência entre Harvey e Hobsbawm.

Para o historiador inglês Eric Hobsbawm, também se tem a universalização de certos padrões econômicos e culturais enquanto cerne de construção da hegemonia internacional estadunidense. Hobsbawm, porém, enfatiza que o mundo por ser demasiado grande, complexo e plural  inviabiliza qualquer possibilidade de que os Estados Unidos, ou qualquer outra potência singular possam estabelecer um controle duradouro, mesmo que o desejassem sobre a economia mundial. O questionamento então caminha para a inevitável indagação de como se consolidará a hegemonia estadunidense ou se a atual crise já demarca o campo do devir do imperialismo norte-americano.

Os recentes episódios internacionais econômicos e políticos parecem reforçar a percepção de Hobsbawm. A ausência de autoridades globais não consegue ser substituída pela presença de uma única superpotência, com o agravante, como mostra o recente episódio da crise cambial internacional, que a adoção de medidas de autoproteção por parte desta superpotência enfraquece os elos de convergência hegemônica e o aparecimento de crescentes vozes destoantes entre subpotências regionais.

O autor de “Globalização, Democracia e Terrorismo”, denota que quatro movimentos estariam por detrás das tentativas de reviver “um império mundial” (o primeiro teria sido o Britânico): i) o acelerado processo de globalização desde a década de 1960, contudo com conseqüências deletérias de elevação ou agravamento das desigualdades econômicas e sociais entre e intra-nações, além da incapacidade, até aqui, de efetivação de uma globalização da política; ii) o colapso do equilíbrio internacional de forças oriundos da Segunda Guerra Mundial, especialmente o desmantelamento da antiga URSS e o desaparecimento de forças divergentes necessárias ao equilíbrio do sistema de forças; iii) a crise do Estados nacionais soberanos e/ou a fragilização desses agentes frente outros agentes de acumulação, tais como as mega transnacionais; iv) o regresso de catástrofes humanas maciças e a presença de medo generalizado, seja na forma mais simples de violência causada por disputas banais, por exemplo, a violência juvenil, até formas como a expulsão de populações  e o genocídio.

As análises em foco concluem com o impasse quanto aos desdobramentos da economia e sociedade estadunidense, do mesmo modo quanto as incertezas que assopram sobre o desenvolvimento internacional, considerando o agravamento da crise europeia e a própria incerteza quanto aos limites da mesma. Da nossa parte nos parece que as condições brasileiras de se impor soberanamente e colaborar com uma saída propositiva, que substitua o medo e o permanente conservadorismo pela busca  de um projeto político, econômico e social diferente, devem ser nossas metas a serem propostas e buscadas, inclusive com a necessária radicalização democrática.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Hobsbawm e a leitura de Marx: o mundo pode mudar antes do retorno do Maia Intergaláctico[1]!



Por José Trindade


   O capitalismo enfrenta sua mais grave crise dos últimos 60 anos. A rápida escalada em que os desencontros da crise de superprodução em alguns setores e países, aliada a financeirização e a crescente desregulação econômica, produz quadro clínico no qual o “enfermo” parece cada vez mais caminhar-se para uma septicemia, quadro generalizado de infecção e no qual as doses do fortíssimo antibiótico da “austeridade” parece não fazer efeito, somente agravando o quadro clínico.

    Nos últimos cinquenta anos o capitalismo aprendeu com as crises do início do século, em geral buscou desenvolver uma armadura institucional que, em diferentes graus conforme o país possibilitou o que o professor Eric Hobsbawm denominou em seu esplêndido “Era dos Extremos” de “Golden Age”, uma idade de ouro do capitalismo e para certa parte da humanidade, segundo o historiador não mais que um quarto e menos que um terço da cornucópia humana pode de fato “curtir” plenamente esse período.

    Essa idade do ouro entra em crise já no final do século XX, talvez a “quente” década de 1970 seja o primeiro momento de “surtos” recorrentes de crise capitalista. Certa teoria de “saltos críticos” pode ser a explicação. Na medida em que a “armadura institucional” pode ter rupturas, ou o que talvez explique melhor, a rigidez na fluidez dos ganhos (lucros, juros, royalties, etc.) produzidos foi questionada por parte importante das “classes burguesas”, especialmente os segmentos vinculados ao andar das finanças.

    O parcial desmonte ou fissura da “armadura institucional” recolocou em novos níveis e com formato distintos as crises clássicas de superprodução, subconsumo e inaugurou, desde então, novas formas de crise, desde a centrada nos fenômenos de desvalorização monetária (décadas de 70/80) até as crises relacionadas ao chamado capital fictício, ou seja, referentes à desvalorização de títulos de diferentes origens. Aspecto fundamental é que o aprofundamento do atual tipo de crise leva a questionar a própria base da pirâmide de créditos, onde se encontram os títulos da divida pública das economias capitalistas centrais.

Antes de nos deixar, o prof. Eric Hobsbawm nos presenteou com importante livro, lançado em meio ao clima de crise capitalista global: “Como Mudar o Mundo – Marx e o Marxismo”, trabalho de fôlego que identifica na construção teórica marxista momento privilegiado de análise racionalista do desenvolvimento social humano. Hobsbawm possibilita aos leitores um breve passeio pelo central da análise marxista, demonstrando não somente a atualidade do “demônio de Trier”, como também confirmando, com a história, de que “convém duvidar de tudo”, o lema predileto de Marx.
Hobsbawm possibilita aos leitores um breve passeio pelo central da análise marxista, demonstrando não somente a atualidade do “demônio de Trier”, como também confirmando, com a história, de que “convém duvidar de tudo”, o lema predileto de Marx.
Os textos de Hobsbawm são, como muitos reconhecem, magnificamente bem escritos e, ponto notável, a tradução de Garchagen é esmerada. Vale reforçar dois capítulos, a meu ver, especialmente interessantes: o capítulo 7 “Marx e as formações pré-capitalistas”, necessário a compreensão das transições entre “modos de produção”, algo importante a se apreender da história é como a humanidade permanentemente “reinventou” seus processos reprodutivos econômicos e sociais. Por outro, o capítulo 12, único texto dedicado exclusivamente a um teórico pós-Marx: Antônio Gramsci. O autor italiano foi, segundo Hobsbawm, um “clássico” per se, sendo que sua leitura se faz imprescindível porque “entre os teóricos marxistas, foi ele quem percebeu com maior clarividência a importância da política como uma dimensão especial da sociedade e porque compreendeu que a política envolve mais do que o poder”. 

Nestas épocas de definições imprecisas e de capitalismos moribundos, mais do que nunca convém estudar a história, melhor ainda sob as lentes telescópicas de Marx e da boa escrita de Hobsbawm.

(Texto publicado originalmente no blog Proposta Democrática, com algumas alterações.)



[1] Referência a música “O retorno do Maia Intergaláctico” de Lulu Santos.